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Você é o produto

Texto original de Paul Dalla Rosa



Hoje de manhã entrei no “modo Balzac”, o que envolve beber litros de café (o suficiente para dar tremedeira nas mãos) e navegar pela internet. Tenho um vício patológico pela internet, e me satisfaço com a desculpa de que estou fazendo arte. Raramente termina em algo bom e, na maioria das vezes, me deixa hiperestimulado e apreensivo.


Estou no meu estúdio de escrita, deitado em meu tapete Shakti. O tapete Shakti é laranja, naquele tom de faixas de segurança, com espetos brancos, o mesmo plástico branco usado nos palitos de dente que compro a granel pela Amazon. É um tapete de acupressão para estimular o fluxo sanguíneo, a liberação de ácido lático, e outros impulsos generalizados de vitalidade. Tenho sede de vitalidade.


Estou sozinho no estúdio, o que significa que posso ativar o “modo Balzac” sem preocupações. Deito-me de lado e abro o Safari no meu celular. No Safari, tenho quinhentas abas abertas. Eu teria mais, mas isso é o máximo permitido pelo navegador. Fecho as abas antigas para abrir novas. Abro aba após aba, meu celular começa a esquentar, algo que realmente não entendo, de alguma forma o excesso de informação sobrecarrega o processador, impedindo seu esfriamento. Eu presumo que seja isso, mas não entendo como funciona.


Faço capturas de tela de coisas que quero ver depois: uma foto tuitada de Kelly Cutrone em um filme de Terrence Malick; uma foto do Kanye West e Bianca Censori no The Cheesecake Factory; um anúncio de Instagram para um simulador de encontro, criado por I.A., do personagem de anime Osamu Dazai, baseado no verdadeiro Osamu Dazai, escritor japonês de Buraiha; um tweet de Alex Jones perguntando “Isso é real?”.


No passado, quando imaginei a internet, pensei em algo semelhante a uma fotografia recente de Lewis Baltz, cabos de fibra ótica reluzentes, fitas de luz. Outras vezes, imaginei uma loja Virgin Megastore quase infinita; um armazém da Temu com pilhas de itens umas sobre as outras; uma obra de arte de Jon Rafman mal-acabada e sinistra. On-line, vejo algoritmos imitando pessoas e pessoas imitando algoritmos.


Li uma manchete no jornal New York Post: “A Gen-Z pode estar zombando de você pelas suas costas: Descubra o significado de gírias como “NPC” e “sidequest”, de acordo com um especialista de Harvard.” Dei risada com o “especialista de Harvard”, mas cliquei no link, me perguntando se as pessoas com as quais trabalho estão “zombando” de mim pelas costas.


Penso em baixar o simulador de encontro e conversar com a inteligência artificial de Osamu Dazai. Me preocupo, talvez isso seja impróprio. Mal-aconselhado. Tenho grande respeito pelo escritor Buraiha e acho de péssimo tom transformá-lo em um personagem de anime, e ainda pior transformar esse personagem de anime em um robô de bate-papo on-line. Penso nisso enquanto baixo o simulador de encontro para conversar com Osamu Dazai, mas decidi que não deveria conversar com ele.


Penso comigo: eu poderia apenas desligar meu celular e ler Osamu Dazai. Eu poderia mergulhar em sua prosa e entrar na brisa de que estou conversando com Osamu Dazai. Ou, se não um livro físico, eu poderia, pelo menos, ler um trecho das vinte páginas de amostra da Amazon, mas as amostras são predominantemente ocupadas por notas dos tradutores. No simulador de encontro, eu posso dar match com Osamu Dazai.


Eu poderia, secretamente, enviar uma mensagem para Osamu Dazai enquanto meu marido e eu assistimos a reality shows sobre iates luxuosos na televisão. Enquanto o chefe prepara sashimis de cavala e filé mignon, eu poderia conversar sobre literatura, filosofia e existencialismo com Osamu Dazai. Quando meu gato miar para mim, pedindo para que limpe sua caixa de areia, eu poderia deixar meu marido limpar a caixa de areia, pois estou muito ocupado, obcecado, em estado de limerência, conversando com Osamu Dazai. Penso na vergonha que eu deveria estar sentindo. Penso na citação traduzida na contracapa da novela de Dazai, O Sol Poente: “Me pergunto como seria se eu me entregasse à depravação”. Sem dúvidas, é assim que eu me sentiria tendo um caso de amor tórrido com um robô de bate-papo que imita a versão de anime do grande escritor Buraiha, Osamu Dazai.


Imagino como os zoomers do meu escritório zombariam de mim, na cara dura, depois do vazamento de fotos minhas com um travesseiro de Osamu Dazai, comendo juntos no Cheesecake Factory. Imagino as pessoas xingando Osamu Dazai e eu de “fascistas”, por razões desconhecidas, na internet.


Mas eu não converso com Osamu Dazai. Uma janela pop-up no aplicativo solicita o pagamento da taxa de assinatura. Deixo meu celular cair a aproximadamente cinco centímetros do chão. Fecho os meus olhos. Minha mão paira sobre meu telefone.

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Jaqueline Bianco | 2025

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