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Garota quase branca agindo em nome da fluência sonora

Texto original de Eve Esfandiari-Denney





Depois de comprar uma cópia de poemas traduzidos de Forugh Farrokhzad e um prato de cerâmica azul, embalado em papel branco, vou para casa com frio, pela estrada que se formou em névoa, com uma curva em branco. É início de março e, como de costume, espero sentir o espírito pessimista, nativo da minha mãe, passando vagamente enquanto leio um verso do poema. Se você romper a velocidade do som, o som desaparece.


E como eu imaginava, não o senti. A tradução parece ter sido feita por um robô. Entretanto, é mais fácil de sentir sem a intenção de tentar sentir, então apenas espero, caso algo aconteça. O metrô para Bethnal Green chega em sete minutos e o poema diz assim:


“Escuras são as lamparinas de um relacionamento / Escuras são as lamparinas de um relacionamento”.



Tudo certo com esse verso. Me faz pensar em dois corações esmaecidos, ou o além de um jardim escuro em uma estrada privada. Não é como se minha mãe fosse clara em seus relacionamentos, ou que seus relacionamentos fossem uma forma de acumular estrelas apagadas na gaveta. 


Mas “estou deprimida / estou deprimida / vou para a varanda” não é bem um afago para sua consternação.



A primeira vez que a visitei na ala psiquiátrica do hospital, tinha seis anos. Mais tarde, tornou-se um hábito rolar colina abaixo antes da visita. Tento me esquecer de como isso era difícil, mas despertou em mim uma confiança de que o som do meu corpo no mundo era uma parábola para a velocidade do mundo. Minha jornada rápida e fluida era acreditar que "Se você romper a velocidade do som, o som desaparece".




Pego impulso para dizer que, se minha mãe não estivesse morta, ela não ficaria mais deprimida por ser a primeira a se secar na piscina municipal. Ser a primeira a chegar na reunião de planejamento de eventos públicos, envolvendo uma saga interminável com o conselho local, um chapéu molhado enrolado em uma sacola que está pelas redondezas e que precisa de uma troca de sacolas. Enfim, foram coisas como sua rejeição em confiar em psiquiatras brancos, ou quando ela trouxe um pepino inteiro para caminhar pelo London Eye que levaram a minha Nan, ou minha Madar-joon, a equivocadamente chamar a situação de “the London Eyes”.



Em uma tarde, estávamos assistindo à rotação desse monumento. Madar-joon começou a agir com uma serenidade particularmente persa, seguida de ansiedade, enquanto tentava observar toda a paisagem de uma só vez.


Não consigo estimar onde o fársi ficou mais silencioso aqui, 

mas havia uma corrente de ar em minhas bochechas.

Rompi a velocidade do som para Madar-joon dizendo “você não precisa memorizar tudo de uma vez, Madar-joon”.


Eu fiz isso para o seu medo de calorias, seu medo de vestir um certo par de sapatos na sala enquanto o noticiário passava na TV, e do cheiro de arroz branco cozido que não passou pelo exaustor. Madar-joon queria falar sobre como uma prima distante, Soraya, tinha uma amiga que estava namorando o George Michael do mundo árabe, Amr Diab. Mas era difícil. “Dardet to joonam” significa “que sua dor atinja o meu corpo”. Era uma forma de dizer “eu te amo” em fársi, e tenho me perguntado se isso é um indicativo de como os persas estão sempre preparados para receber amor.




E cá estou eu com minhas dispersões, minha pele clara e tomando meu iogurte, distante da minha prima, que está no sofá me dizendo que eu abro frutas da forma errada e que não deveria colocar Dardet to joonam em um poema, sem nenhuma explicação. Não contestei isso naquela época, mas contesto agora.


Gostaria que ela soubesse que há algo a ser dito sobre como um gene pode ser moldado pelo ambiente familiar, ou que ainda pode se curvar perante um amontoado de cartas que revelam que o marido está tendo um caso, levando a uma sucessão de mulheres que carregam esse mesmo peso nas costas.



Pela lógica, meu rosto é uma combinação dos meus rostos anteriores. Então, quando é domingo à tarde e estou na sala de spa número 3, prestes a ser atendida por um curador de vórtex, com especialização em depressão severa, eu me refiro às minhas “vidas passadas” como todas as vidas que me trouxeram à minha vida singular.


O curador de vórtex, um homem chamado Andrew, cuja voz soa como uma luz azul profunda, está dizendo que as almas reencarnam além da linhagem sanguínea. Apesar de nossas diferenças espirituais, deito-me em sua mesa coberta com papel branco enquanto ele confirma que já fui uma etérea serva suméria que nunca teve a oportunidade de se expressar.




Não é como se essa novidade despertasse uma montanha-russa de emoções em mim, mas enquanto suas mãos pairam sobre o chacra da minha garganta, começo a pensar em “Se você romper a velocidade do som, o som desaparece”. A poesia, então, assim como a linha de silêncio atrás de mim, é um impulso indireto para se expressar.


E a minha verdadeira fala contém um software condensado de respirações, o conhecimento da minha voz está logo abaixo, definitivo e paciente, levando a isso, isso que anseia romper essa velocidade, isso que é quase branco.




Quando o metrô chega a Bethnal Green, olho para meu colo e vejo que o embrulho de papel começou a se desfazer do prato. Ou seja, o prato colorido está visível, seu brilho azul segura a luz como um fantasma envernizado.


Apesar de me sentir incompetente e em uma tentativa de voltar para casa, eu removo o prato da sacola de compras. Levanto-o sobre minha cabeça dentro do vagão apertado para mostrar para qualquer um o som preventivo que ele expressa, como se fosse articulado por uma forma materializada. Não está restaurado, como uma circunstância quase branca.

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Jaqueline Bianco | 2025

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