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A distância entre gerações

Texto original de Lynne Tillman.




Eu tinha treze anos e estava começando a ler contos e histórias escritas por artistas e escritores, memórias e ensaios. Ah, os americanos em Paris na virada do século vinte, como pareciam aventureiros; eram chamados de boêmios.


Depois de terminar a faculdade, seguindo a tradição da classe média, ganhei uma viagem para a Europa e aproveitei a chance. Estando lá, eu me transformaria na escritora que estava destinada a ser desde os oito anos de idade. Quem quer que eu fosse, eu estava fascinada pelas imagens que via nos livros, com cenas agradáveis de parisienses e suas excentricidades, ruas e cafés.


Então, cheguei em Paris. Caminhei da margem esquerda à direita, voltei, visitei cafeterias para apreciar um café au lait e observar pessoas. Fiquei sabendo que, em Paris, as pessoas observam umas às outras, e vi isso acontecer: sempre que alguém passava por ali ou se sentava, as pessoas levantavam a cabeça, despertando  em mim uma grande paranoia. Eu era muito tímida para isso.


Vi mulheres usando vestidos ou terninhos com lenços de seda amarrados rente ao pescoço, homens de terno e gravata; raramente usavam jeans, muito menos camisetas, e fiquei decepcionada. Os parisienses eram convencionais.


Morei na Europa por um bom tempo; uma verdadeira expatriada. Uma amiga pediu para que eu entrevistasse Meret Oppenheim, que morava em Paris. Nunca havia entrevistado ninguém, nunca pensei que poderia conhecer uma famosa artista surrealista, e não sabia quase nada sobre Meret O. além do que a maioria das pessoas já conhecia: sua xícara e pires cobertos de pelos. Li sobre ela, estudei, mas ainda não sabia quais perguntas seriam inteligentes para fazer a uma grande artista.


Meret me recebeu em seu estúdio. Ela vestia camiseta e calças pretas, despojada e enérgica. Ela respondeu a todas as minhas perguntas. Em certo momento, não consigo me lembrar quando, mas um momento agora tomado pelo constrangimento, fiz uma pergunta que apenas uma pessoa jovem faria a uma pessoa mais velha, alguém de outra geração. Ela morou em Paris nos anos de 1930, um período sobre o qual já li muito; ela poderia falar sobre esse assunto. Eu me perguntei “Como era viver naquela época? Qual era a sensação daquela época?”.


“Meret, como era estar viva naquela época?”


Ela ouviu minha pergunta estúpida e ficou séria.


“Era exatamente como agora”, disse. “Tenho amizade com artistas e escritores. Faço o meu trabalho.”


Depois da resposta, notei o quão tola minha pergunta tinha sido, percebi que minha imaginação era limitada, como se Paris fosse apenas aquilo que li nos livros. Que as pessoas eram e faziam, naquela época, as mesmas coisas que são e fazem agora, que vida é vida independentemente de quando você a vive.


Meret O. nasceu na Suíça, em uma família abastada, e poderia ter vivido de outra forma. Nós somos iguais, mas somos diferentes. Outra pessoa não seria como ela. Assim como Gertrude Stein escreveu em “Composição como explicação”, “Não há nada singular que faça a diferença no começo, no meio, e no fim, com exceção de que cada geração tem interesses diferentes e é para onde estão olhando.” Olhar para os notebooks, ou tábuas de passar roupa, ou letreiros, ou mensagens é o que define uma geração. Warhol afirmou que ele era o mesmo que “foguetes e televisão”. Aquilo que estamos olhando é que faz uma geração, e a forma como pensamos é o que constrói uma identidade.


Mantive contato com Meret O., superei minha ansiedade e enviei a ela o meu primeiro livro, uma novela chamada Weird Fucks. Em troca, ela me mandou um desenho, o que me deixou emocionada e, quando ela veio para Nova Iorque para uma exposição — acho que foi em 1987 — eu fui à inauguração. Depois, tomamos café em seu quarto de hotel. Tirei muitas fotos, incluindo uma em que ela está com a xícara de café na boca, mas apenas uma foto ficou boa, bonita até — um retrato de Meret O. parada em frente à janela do quarto, resoluta, com uma luz suave atrás dela. Então a vi novamente, estou extremamente feliz por tê-la por perto e por conhecê-la, mesmo que só um pouco.


Muitos dos meus livros foram publicados nos anos noventa e, desde então, fui entrevistada muitas vezes.


Um dos entrevistadores perguntou “Como era estar viva nos anos setenta?”


Eu disse algo, mas não lembro o que foi. Talvez eu tenha citado Meret Oppenheim. O passado pode ser mágico se você não o viveu.



Fotografia da capa: KEYSTONE/Walter Studer.

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Jaqueline Bianco | 2025

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